Ramana Maharshi

 

Sri Ramana foi um Canal Puro para um Poder mais Elevado.

Ensaio escrito para publicação em The Mountain Path (O Caminho da Montanha)

 

Os organizadores desse encontro, em comemoração ao aniversário de Sri Ramana Maharshi, me pediram que eu participasse dele. Eu não tenho uma conexão formal com o movimento associado ao seu nome e, por muitos anos, preferi manter-me em silêncio. Mas a gentil insistência daqueles terminou vencendo minha relutância.

Quarenta anos se passaram desde que eu penetrei sua morada e vi o Maharshi meio reclinado, sentado em um sofá coberto com uma pele de tigre. Passado um período tão longo, a maioria das memórias do passado tornaram-se um pouco esmaecidas, se é que não deixaram de existir completamente. Mas eu posso verdadeiramente declarar que, neste caso, nada disso se passou. Pelo contrário, sua face, expressão, figura e entorno são tão vívidos agora como o foram então. O que é ainda mais importante para mim é que — pelo menos durante meus períodos diários de meditação — sinto sua presença radiante tão real e tão próxima hoje quanto ela foi naquele primeiro dia.

Uma impressão tão marcante não poderia ter sido deixada, nem continuado durante tantas vicissitudes de uma encarnação que me levou ao redor do mundo, se o Maharshi tivesse sido um yogi comum — muito menos um homem comum. Eu conheci dezenas de yogis, tanto do tipo ocidental quanto oriental e muitas pessoas excepcionais. Qualquer que seja o status dado por seus seguidores, ou a despeito da indiferença demonstrada a seu respeito por outros, minha própria posição segue independente e imparcial. Ela é baseada em nossas conversas privadas naqueles dias iniciais, quando este tipo de coisa ainda era possível, antes que a fama atraísse multidões; em observações de conversas entre pessoas e conversas com estas pessoas que o circundavam; em registros de sua história e, finalmente, em minhas próprias experiências pessoais, seja qual for o valor que possuam.

Com base em todos estes elementos um fato parece incontroversamente claro: que ele era um puro canal para um Poder Elevado. Essa capacidade dele de colocar sua própria auto-consciência de lado e de deixar-se ser permeado por este Poder não deve ser confundido com o que normalmente se denomina no Ocidente de mediunidade espiritualista. Porque nenhum espírito ou pessoa desencarnada jamais se manifestou através dele; pelo contrário, o silêncio que se instalava nestas ocasiões era tão extraordinário quanto sutilmente intenso. Nenhum fenômeno físico de natureza oculta foi jamais testemunhado desde então; absolutamente nada aconteceu externamente. Mas aqueles que não estavam demasiado mergulhados no materialismo para reconhecer o que se passava dentro dele e dentro de si mesmos naquele momento, ou aqueles que não estavam por demais enrijecidos por suspeita ou crítica para podererm estar passivos e intuitivamente sensíveis, sentiram uma mudança clara e estranha na atmosfera mental. Foi enobrecedor e inspirador: enquanto durou, aquilo os tirou de dentro de seus pequenos seres, mesmo que apenas parcialmente.

Essa mudança ocorria diariamente, principalmente naqueles períodos no início da noite quando o Maharshi entrava em profunda contemplação. Então, ninguém se atrevia a falar e todas as conversas eram interrompidas. Uma grave sacralidade permeava a totalidade da cena, evocando respeito, reverência, até mesmo deslumbramento. Mas antes que o por do sol fizesse aflorar essa notável transformação, durante a maior parte do dia, o Maharshi se comportava, se alimentava e falava como um ser humano perfeitamente normal.

Havia uma espécie de participação em um drama divino silencioso durante aquelas noites – cada um na medida de sua própria resposta. Esta era a sensação com a qual alguns de nós emergia quando aquilo tudo terminava. Que o Maharshi era protagonista, era suficientemente claro no plano visível. Mas havia algo mais . . .

Em seus próprios ensinamentos, Sri Rmana Maharshi sempre citava, como associação ou confirmação, os escritos do primeiro Shankaracharya, que viveu mais de mil anos atrás. Ele considerava-o inquestionavelmente uma autoridade. Ele até traduzia alguns deles de uma língua hindu para outra.

Paul Brunton e RamanaNo templo de Chingleput eu entrevistei sua Santidade Shankaracharya de Kamakoti Peetam, da linha de sucessão do primeiro Gurú. Quanto o encontro terminou, antes que eu saísse, aproveitei para fazer uma pergunta pessoal. Um discípulo do Maharshi havia me abordado e pedido para levar-me até o seu Gurú. Nenhum deles a quem perguntei pôde me dizer qualquer coisa sobre ele, nem mesmo havia ouvido falar dele. Eu estava indeciso sobre fazer a jornada ou não.

Sua Santidade imediatamente incentive-me a ir, prometendo-me satisfação. Ele ainda está vivo e ativo no mundo religioso, no sul da Índia. Em minha humilde crença, ele incorpora a mesma alta qualidade de Consciência que o Maharshi incorporava. Esta crença é compartilhada pelo Professor T.M.P. Mahadevan que esteve presente como um estudante de 18 anos durante meu primeiro encontro com o Maharshi e que, desde então, continuou sendo um devoto de ambos Mahatmas. Ele é agora chefe do Departamento de Filosofia da Universidade de Madras. [Nota do editor: o professor Mahadevan faleceu em outurbro de 1983.]

Às vezes, enquanto olhava para aquela figura sobre o sofá, pensava se ele algum dia viria para a Inglaterra. E se viesse, como ele se vestiria, como ele se comportaria naquelas movimentadas ruas de Londres, como se alimentaria, viveria e trabalharia? Mas a ele não interessava viajar, e por isso ele nunca veio, não em seu corpo físico: o que veio, sim, foi o seu espírito e mente, o qual despertaram bastante interesse entre os ingleses para tornar possível este encontro.

Uma e outra vez ele nos instruiu assim: que o verdadeiro Maharshi não era o corpo que as pessoas viam; era o Ser Interno. Aqueles que nunca viajaram à Índia, enquanto ele vivia, podem buscar conforto neste pensamento: é possível invocar sua presença onde quer que se encontrem e sentir sua realidade no coração.

Ramana Maharshi foi um daqueles poucos homens que surgem sobre a Terra de tempos em tempos e que são únicos, apenas eles mesmos – não um cópia de qualquer outro – e que contribuem para a plenitude espiritual do mundo, para a qual ninguém mais contribuiu exatamente da mesma forma.

Sri Ramana Maharshi é certamente mais que um místico e grande merecedor de ser venerado como um sábio. Ele conhece a Realidade.

Há poucos homens sobre quem se possa escrever com total convicção, de que sua integridade fosse incontestável e de sua honestidade absoluta. Mas, Ramana Maharshi foi, inquestionavelmente, um deles.

Paul Brunton e RamanaNos doze anos que se passaram depois de sua morte, eu nunca vi Ramana Maharshi novamente. Pelo menos meia dúzia de vezes eu passei a poucas milhas de seu ashram, durante parte daquele período no qual eu vagava pela Índia. Um nó se formava na minha garganta e uma sensação de sufocamento tomava conta de mim quando eu pensava, o quão perto nós nos encontrávamos em espírito e, ainda assim, o quão severamente estávamos separados, pela má-vontade de certos homens e pelas escuras sombras de meu próprio karma. Isto porque internamente eu nunca me separei dele.

As críticas a Ramana Maharshi causam profundo arrependimento: elas foram ocasionadas, mais por eventos da história do ashram do que por sua própria pessoa. Não é possível fazer uma reparação apropriada, embora eu houvesse planejado fazer uma no próximo livro que eu tinha esperança de escrever. Mas, puxa, esse livro nunca foi completado.

Que não haja qualquer mal entendido quanto à minha ligação com Ramana Maharshi. Minha apreciação e reverência por ele permanecem grandes como sempre foram. Eu ainda considero-o como um dos poucos visionários iluminados dos séculos modernos. Durante sua vida eu adotei uma postura externa de um estudante independente. Mas minha conexão interna com a mente viva, a qual se manifestou como Ramana Maharshi, permanece “inquebrantável”.

Ramana Maharshi: certa noite, na primavera de 1950, no mesmo momento em que um corpo celeste incandescente brilhou no céu e pairou sobre o Monte do Sagrado Luminar, deixou seu corpo envelhecido o espírito do desvanescente Maharshi. Ele foi o místico Indiano que mais me inspirou, o sábio indiano a quem eu mais reverenciei, e seu poder foi tal que ambos, o Governador Geral e trabalhadores em farrapos, sentavam-se juntos a seus pés, sentindo-se como na presença do divino. Certos fatores combinaram-se para manter-nos separados durante os últimos dez anos de sua vida, mas o contato interior telepático e íntima afinidade espiritual entre nós continuou – e continua – vívido e incólume. Ano passado ele me enviou essa mensagem final através de um amigo que me visitava: “Quando um coração fala com outro coração, o que há para ser dito?”

Houve ocasiões em que o Ramana Maharshi em verdade apareceu diante de mim, aconselhando, discutindo. A morte não havia terminado nosso relacionamento ou impedido nossas comunhões. Ele ainda vivia em minha mente; vida, como uma genuína força, uma entidade desprovida de corpo, mas certamente presente nestas oportunidades. E então, uma noite a qual jamais esquecerei, aproximadamente 15 meses depois de sua morte física, ele disse que nós necessitaríamos nos despedir e que ele desapareceria do meu campo de consciência. E assim aconteceu. Eu nunca mais o vi. Se tratava-se de seu espírito, conforme eu acreditava, era porque não mais era possível manter comunicações com este mundo, o que eu não creio, ou havia se retirado porque o próximo passo em minha própria evolução, imperativamente, requeria esta liberdade, o que mais tarde provou ser o caso.

Em 1981, P.B. falou mais sobre este “próximo passo”. Disse que enquanto o contato interno não havia jamais sido rompido, a ele faltava a faculdade de reconhecer este fato na ocasião. Ele teve que parar de buscar fazer contato através de qualquer tipo de imagem, aprendendo a reconhecer sua presença como pura essência, ao invés de uma imagem personificada (comentário feito pelos editores de Paul Brunton).