A história de Paul Brunton (1898- 1981) é um perfeito exemplo da radical transformação que a espiritualidade foi submetida no final do XIX. No início desse século, a espiritualidade — mesmo na longínqua Índia — estava exclusivamente sob o domínio nacionalista, sob o domínio de religiões míopes, raramente dispostas em dialogar com outras crenças, tampouco de dar atenção às vidas espirituais das mulheres e de outros cidadãos de segunda classe. Desde então temos vistos um despertar enorme no Ocidente, primeiro no Hinduísmo, depois, no Budismo, e mais recentemente no Budismo Tibetano. Ao mesmo tempo as culturas do Oriente sofreram uma adaptação equivalente com a tecnologia ocidental.
Hoje em dia, há uma quantidade enorme de conferências verdadeiramente ecumênicas, e os professores espirituais independentes e ecléticos, guias, gurus e treinadores se encontram tão perto de nós quanto os nossos celulares! Ao mesmo tempo em que o Ocidente esteve olhando pela primeira vez para o Oriente , com interesse no seu misticismo, o Ocidente começou a descobrir que mesmo sua religião primordial – a ciência – era instável, intangível e profundamente interconectada com a consciência do observador. E, obviamente, nestes últimos anos, a internet tem criado um nível completamente novo de troca, com acesso à informação e inspiração.
Nós observamos essas mudanças na própria jornada de PB e a grande influência que ele exerceu como pesquisador espiritual e autor. Ele começou sua vida com uma habilidade natural para a meditação, com alguns talentos ocultos e um sólido conhecimento na Christian Science. Ele nasceu com um coração aberto para a vida, com uma vontade poderosa e um sentido aguçado para o verdadeiro significado da consciência — e do poder arraigado internamente. Essas características o prepararam bem para sua jornada em direção ao Oriente Espiritual, iniciando com a Índia e o Egito, jornada a qual poucos fizeram antes dele e muitos o fizeram depois.
Ao longo de sua vida ele viveu em todos os continentes, acampou em tendas bem armadas, jantou com Reis e Rajás em seus palácios, e conversou com pessoas comuns em todo o globo terrestre (Veja em “Minhas Lembranças de PB”).
Um homem de energia ilimitada e infinita curiosidade, ele criou um estilo de vida itinerante como nenhum outro. Nós sabemos que ele viveu no México, Bolívia, Nova York, Califórnia, Ohio, Havaí, Japão, China, Grécia, Nova Zelândia, Austrália, Índia, Tehri Garwhal, Egito, Áustria, Espanha, Itália e finalmente na Suíça. Porém, devido a ele não ter mantido registro dos seus paradeiros, é provável que esta seja apenas uma lista parcial!
Jornais ao redor do mundo tinham como rotina anunciar as palestras e as visitas de Paul Brunton em suas respectivas cidades. Eis aqui uma pequena amostra ilustrativa das manchetes: The Los Angeles Times (“A Necessidade da Meditação é Encorajada: O Autor Oferece Conselho para os Americanos como uma Ajuda para Resolverem Os Seus Problemas”); The Ceylon Observer (“A chegada de um especialista em Ioga no Ceilão – Dr. Paul Brunton Realizará Pesquisas Aqui); The Siam Chronicle (“Visitando Bangkok, o Dr. Brunton, Orientalista Famoso e Autor”); The Ceylon Daily News (“Programa de Rádio com o Dr. Brunton”); A Singapore Free Press (“Conferência Será Proferida pelo Místico Britânico” – “Sr. Paul Brunton, o afamado jornalista e escritor versado no Oriente, chegou em Singapura ontem pela manhã no navio BI Liner Shirala do Longínquo Oriente”); Dayalbaugh Agra (“Visita da Vossa Alteza o Marajá de Benares… Entre os convidados especiais podemos mencionar a presença de dois eminentes jornalistas britânicos – Sr. Paul Brunton…”); O Madras Mail (“A Filosofia e a Inspiração foi o assunto de uma interessante palestra proferida pelo Sr. Paul Brunton…”); O Globo Mail (“Homem misterioso atrás das paredes do palácio Atenas) ; Boston Evening Transcript (“Paul Brunton… está em algum lugar no norte da Índia agora…”), O Estrela Diaria de Montreal (“Dr. Paul Brunton, autor e autoridade em filosofia oriental, está em Montreal no dia de hoje, visitando amigos”), etc.
Paul Brunton escreveu onze livros entre os meados de 1930 e o início dos anos 50, os quais foram publicados originalmente pela Editora Rider no Reino Unido e pela Editora Dutton nos EUA e, no Brasil pela Editora Pensamento. Eis aqui alguns dos títulos publicados originalmente: A Índia Secreta, O Egito Secreto, O Caminho Secreto, A Realidade Interna, Um Eremita no Himalaia, A Busca do Eu Superior, A Sabedoria Oculta Além da Ioga e A Sabedoria do Eu Superior. Em sua totalidade, foram vendidos quase dois milhões de cópias em 20 línguas e muitos deles têm sido continuamente reeditados, por quase 80 anos. O arquivo da Fundação Filosófica Paul Brunton (PBPF) possui centenas de comentários sobre os livros e artigos publicados nos principais jornais e revistas daquela época, tanto do Ocidente como do Oriente , os quais elogiam tais trabalhos, como também ao próprio PB. A Fundação Filosófica Paul Brunton (PBPF) publicou, postumamente, os 16 volumes dos Notebooks de Paul Brunton, os quais também têm recebido muita atenção de proeminentes professores e jornais acadêmicos, sendo que os três primeiros volumes dos Notebooks foram publicados em português pela editora Pensamento.
Pelo fato de Paul Brunton haver sido exposto, tão amplamente, às diferentes culturas ao redor do mundo, isto veio a proporcionar-lhe uma visão abrangente sobre o caráter da humanidade, suas fraquezas e necessidades. Estas, ele balanceou com sua crescente e impessoal busca pela verdade. Da mesma maneira como sabemos um pouco, mas não tudo, sobre os lugares que ele visitou, em que viveu ou simplesmente fez peregrinação, o mesmo deve ser dito sobre seus estudos. O que nós sabemos é que ele tinha uma biblioteca de tamanho bem considerável, sendo que nela estava incluída sua biblioteca de viajem, ou seja, as centenas de textos que ele carregava nas muitas jornadas. Sua erudição e habilidade para traduzir filosofias espirituais abstratas em uma linguagem moderna, sem perder a essência do original, foi reconhecida por muitas pessoas e expressado aqui pelo Primeiro Ministro do Nepal, Mohan Shumsher Jung Bahadur Rana, na introdução do livro de PB, Um Eremita no Himalaia:
“…a amizade por alguém que eu considero um profeta espiritual do nosso tempo… Eu pessoalmente acho mais fácil entender muitas das sutilezas complexas de nossas próprias filosofias asiáticas e técnicas espirituais, incluindo a Ioga, quando explicada por Paul Brunton em sua maneira científica, racional, moderna e não-sectária, do que quando exposta através das formas antigas, as quais estão tão longínquas do entendimento do século XX…. Eu estou convencido de que Brunton é um dos instrumentos escolhidos para reinterpretar a sabedoria do Oriente, que está metade-perdida, para aqueles indivíduos que se encontram capturados pela mecânica vida do Ocidente…”
Também quero mencionar que na revisão do livro A Sabedoria do Eu Superior publicado no jornal acadêmico, Review of Religion, “Ele trata o material como um mestre e não como um mero expectador… Brunton é a ligação necessária entre a pesquisa erudita (sem a qual ele nunca teria chegado onde ele está agora, ou seja nesta posição) e o leigo que está ansiando por uma maneira mais elevada de vida…”
Sri Krishna Prem comentou sobre “O Caminho Secreto de PB”, no jornal teosófico, O Caminho Ariano, dizendo: “…é um livro que deveria ser uma fonte de inspiração para muitos …deve ser reconhecido como um livro que oferece uma verdadeira, mais útil e segura narrativa da ioga, do que os tantos outros pretensiosos tratados existentes. ”
Também os comentários do Swami Yogananda apresentado na Inner Culture Magazine: “Quando esteve no sul da Índia, Swamiji visitou o Maharishi de Arunachala e conheceu Paul Brunton, o qual tem escrito muitos livros, elogiados pelo Swamiji… O Swamiji estava contente de ver o maravilhoso desenvolvimento espiritual e a receptividade que Paul Brunton tem alcançado.”
Sua preferência em ser chamado de “pesquisador” é um indicativo do seu impulso fundamental, o qual era pesquisar, saber e amar a Verdade e a partir daí voltar a pesquisar uma maneira de compartilhar seu entendimento e experiência com os demais, independentemente do “avanço” deles ao longo do caminho espiritual. PB foi ao mesmo tempo um elitista e um democrata puro. Ele foi um elitista na medida em que a Verdade, o Real e o Eu Superior estão envolvidos; ele tinha pouca paciência com a preguiçosa ignorância dos então chamados professores que acreditavam que eles tinham “chegado” ao ponto da perfeição. Ele via a humanidade como em uma jornada eterna de exploração, incapaz de finalização, não devido a inadequação, mas por causa de seu potencial literalmente infinito. Ele era democrático ao ponto de não presumir nada, tinha abertura para tudo e era cego para o pequeno; ele raramente criticava de forma destemperada, criticando sempre com uma observação positiva balanceada ou com uma sugestão.
Durante os últimos meses de sua vida PB estava lendo livros, artigos e revistas de cunho filosóficos e teológicos e até mesmo ocultismo. Talvez tenha sido a tradução de MacKenna, em Plotinus, o texto que manteve sua máxima atenção no final de sua vida. Ele também lia uma variedade de jornais; de vez em quando ele lia o jornal local e outras vezes lia os jornais de uma nação específica de seu interesse, porém mais frequentemente ele lia The International Herald Tribune and The New York Times. Ele tinha uma compreensão profunda e extraordinária sobre os eventos e movimentos espirituais populares da época.
No livro Reflexões sobre Minha Vida e Escritos (volume 8 dos The Notebooks of Paul Brunton, p. 6-7), PB revela muito sobre si mesmo e seu trabalho na vida nestes dois curtos parágrafos:
Místicos Asiáticos e Africanos, yogis, homens eruditos e até mesmo sábios raros de cuja eminência e existência o Ocidente ainda sabe pouco ou nada, deram-me sua confiança, confidenciando muito de seu conhecimento e segredos aos meus cuidados e enviaram-me para longe da presença deles, dando-me verbalmente suas bênçãos para ser o mediador entre o Oriente e Ocidente. Assim sendo, tive diversos mestres, sem haver podido tornar-me estudante de nenhum deles; tenho estudado os princípios de muitas escolas, mas não poderia ser escravizado por nenhuma delas.
Em obediência a uma compulsão interna e a uma intermitente premonição, a qual se justificou de maneira bastante clara como meu destino revelado, eu sempre mantive uma sagrada independência no meio de todas essas relações e uma desprendida lealdade; tenho considerado a Verdade como uma deusa acima de todos os mortais e em consequência ela deve ser a única a ser adorada. Esta atitude trouxe-me conflitos emocionais dolorosos durante o período do meu crescimento e provocou, em outros, maliciosos desentendimentos, porém ela tem final e completamente provado seu valor.
Porque as minhas experiências místicas mais sublimes, mais estranhas, mais significantes e mais elevadas ocorreram antes que eu tivesse encontrado um único mestre, ou mesmo antes de colocar meu pé em solo Asiático. Através delas, eu realmente renasci. Mas aí de mim!! Na minha juventude e noviciado eu não poderia entendê-las. Estava ofuscado pela Luz e então continuei a tatear como se estivesse ainda no escuro. Agora, finalmente, consegui ancorar minha nômade vida mística e filosófica. Doravante eu não possuo fidelidade intelectual e obediência mística para com nenhuma pessoa.”
“E se eu abomino a ideia de formar um culto e torná-los discípulos, isto não é o mesmo que dizer que eu abomino a ideia de ajudar meu semelhante para encontrar alguma coisa a qual eu já encontrei. E se eu me recuso a considerar-me um sábio, quando eu sou somente um estudante, isto não é o mesmo que dizer que não existe sempre aqueles que sabem menos do que eu e que podem vantajosamente compartir algumas de minhas migalhas. Porque ninguém pode chegar a uma parcial compreensão do Eu Superior, o qual dá suporte a existência de todas as criaturas vivas e continuar sentado complacentemente, sentindo-se prazeroso de seu conhecimento e usufruindo egoisticamente da paz. Apenas místicos ascéticos que tocam o eu interno deles, sem também tocar o eu interno do universo, são os que podem fazer isso. Mas aquele que começou a perceber que a base do seu próprio ser individual é um e o mesmo, totalmente idêntico, com o de todos os outros seres individuais não é mais um místico. Para ele, a unidade última de toda a humanidade – mesmo sendo um segredo e não sendo obvio – é, todavia, um fato; e ele precisa reordenar sua própria vida de acordo com isso. Não será possível para ele remover da sua mente a melancolia daqueles que aspiram a uma vida mais sábia e melhor. Eles perseguirão o coração dele como assombrações e ele não se livrará deles, não importa onde ele for, seja dentro da mais solitária solidão ou da mais agitada cidade. Servir a eles torna-se seu dever inescapável.”
Você poderá encontrar a história mais completa da vida de Paul Brunton, na Biografia Ilustrada.