por N. S. Gopalakrishnan, B. A., um ex-secretário indiano para PB.
Um destino estranho uma vez me colocou em uma peculiar posição – uma posição na qual tomei conhecimento dos principais acontecimentos das vidas interiores de alguns irmãos e irmãs americanos e europeus, que estavam lutando arduamente para aprender e compreender as mais altas verdades da filosofia indiana oriental e da Ioga, sob a orientação excelente, nobre e clara de um mestre incomum, que agora e sempre renegou sua posição de mestre e enterrou-se no oco espaço das pirâmides, ou escondeu-se nas aldeias mais remotas do Extremo Oriente, ou ainda subiu e perdeu-se no frio congelante dos picos da cadeia montanhosa mais alta.
Refiro-me àquele que relacionou-se amigavelmente, tanto com um yogi de cabelos emaranhados, ou com um egípcio muçulmano de espessa barba, ou com a cabeça raspada de um Supremo Lama da China e dos países budistas.
Eu não sou um biógrafo, e assim o leitor vai ter que me desculpar se ele achar que isto está desorganizado, desarticulado ou fragmentado. De minha parte estarei bastante satisfeito se isto for uma leitura interessante, descrevendo alguns acontecimentos marcantes e episódios que ajudam a revelar, embora de maneira pobre, esta pessoa incrível. Eu o conheci por uma estranha coincidência. De fato, aparentemente, parecia ter sido coincidência, mas realmente foi a mão forte do bom karma que me fez cruzar seu caminho.
Quando encontrava-me fraco de espírito – por haver sido vítima da falência de um banco no sul da Índia, onde tinha investido dinheiro e trabalhava como um funcionário, tinha esposa e filhos para sustentar – e, espiritualmente entediado, sentindo-me exausto no labirinto de conflito de credos, crenças e opiniões, eu li “A Índia Secreta”. Este livro influenciou-me de maneira peculiar. Dia após dia, essa influência cresceu mais e mais, até que finalmente eu já não podia resistir à tentação de encontrar seu autor. Mas, como esse livro terminava com a informação de seu retorno para o seu nativo lugar de origem, no Ocidente, eu erroneamente pensei que ele ainda estava lá e considerei tal encontro impossível.
Após o prefácio acima, você não ficará surpreendido se encontrar-se subitamente transportado para uma pequena cidade do país no sudoeste da Índia. As estradas avermelhadas se caracterizam por sua tranquilidade empoeirada. Exceto por um carro de boi ou dois e pelos moradores estranhos, passando lentamente de vez em quando, ou pelo passar correndo de um raro ônibus que atravessa o pais, não há nada para ser visto ou ouvido. A brisa suave farfalhava por entre as folhas dos coqueiros que alinham a estrada de um lado em diferentes pontos, contribuindo para a atmosfera completamente rural. Há algum sinal de atividade somente na rua principal dos bazares. Trabalhadores andando com cestas sobre suas cabeças, alguns aldeões olhando com boca aberta, alguns bolos fritos em óleo requentado, expostos em frente deles, os montes de mangas amarelas e frutas marrons, tanto verdes quanto maduras, amontoadas em grupo no chão das tendas de frutas, com seus donos pechinchando, o ruído da música áspera vindo de um gramofone pré-histórico, o barulho das panelas de estanho do funileiro, um silvo sonoro da zarabatana na mão de um ferreiro, é a visão e sons comuns que se apresentarão a você.
Foi e será o dia mais memorável de toda minha vida, aquele dia de primavera, quando visitamos esta pequena cidade pela primeira vez. Olhando para trás, vejo claramente como todos os eventos, circunstâncias e ambientes se uniram para manifestar aquele enconto, assim como tudo o que desenvolveu-se desde então, tem raízes naquele dia, este ficou marcado como o dia mais abençoado da minha vida. Por um misterioso evento, no mesmo dia em que o próprio “viajante do mundo ” voltou à Índia, uma força incomum puxou-me e fez-me viajar cerca de 500 kilometros para longe de casa, inconscientemente, para o mesmo destino. No momento em que eu estava entrando em um carro de boi para seguir até a estação ferroviária, a um par de kilometros de distância, ouvi o condutor do carro de boi conversando com outro homem. A palavra “Brunton” foi mencionada na conversa. Eu imediatamente interpelei o motorista sobre o assunto, e fiquei surpreso ao ouvir que ele teve a honra naquela mesma manhã, de levar o famoso escritor a uma casa que ele havia alugado, neste momento, ao retornar à Índia. Adiei minha viagem para a estação e, ao invés disso, fui conduzido a sua casa.
Apresentei-me ao Dr. P. Brunton, e simplesmente disse-lhe o quanto havia gostado de seu livro. Disse a ele, também, que era um nativo da cidade de Madura, no sul da Índia, onde havia um templo histórico, e que eu tive a sorte de ter tido uma educação universitária, recebida no colégio missionário dessa cidade. Eu também lhe disse que meu avô tinha sido um dos grandes pandits conhecedores do sânscrito de sua época, embora eu soubesse muito pouco dessa língua. Não vi botas, nem meias, nem casaco, nem gravata, nem gravata-borboleta e, nem chapéu na pessoa de Brunton, muito menos um colarinho duro e um colete. Digo isto porque eu pensava que homens brancos sempre insistiam em usar essas coisas. Ele me ofereceu chá e me deixou falar por algum tempo. O resultado dessa conversa foi que eu, depois de vinte minutos, me encontrava na posição de seu “secretário literário e pessoal.”
A casa era, simplesmente, um pequeno bangalô indiano com um grande pátio no meio. Não haviam tapetes cobrindo o chão áspero de tijolos nus, e não haviam papéis adornando as paredes mal rebocadas, nem tapeçarias penduradas sobre as portas e janelas. Não havia nem mesmo uma janela com vidro. As portas de madeira em bruto, sem pintura ou verniz, rangiam em suas dobradiças quando abriam-se. Três mesas pequenas, duas cadeiras simples, e uma outra de madeira clara e lona, e um pequeno armário de canto, com uma porta, tudo num padrão de moveis para acampamento, estes eram os únicos móveis encontrados ali. Estávamos longe do barulho e da algazarra do bazar, num ambiente apropriado para um trabalho literário de natureza elevada e concentrada.
Nos primeiros dias desempacotei grandes baús, arrumando as coisas e levando os livros para os aposentos. Eu pendurei mapas da Índia nas paredes, organizei o escritório, bati pregos em paredes, movi malas e sacos de viajem em seus devidos lugares, fiz muitas compras no bazar, entre outras dezenas de pequenos trabalhos. Depois disso, abri um pacote contendo dezenas de cartas não respondidas de todo o mundo. Elas eram de diferentes tamanhos, formas, cores e até mesmo outros idiomas; estavam datilografadas, escritas a caneta ou lápis. Tinham diferentes datas, por período de mais de uma ano. PB se desculpou por causa disso, mas disse que sua vida por ser como era, não tinha como evitar.
Seu cozinheiro e servo pessoal não era, de certo modo, muito diferente de seu mestre, que também vivia de maneira simples. Era um sujeito magro, e falava praticamente nada em inglês. Um metro de lençol branco liso em volta de sua cintura e uma camisa, eram todas as suas roupas. Bem diferente dos mordomos elegantemente vestidos, que geralmente servem europeus na Índia. Apesar de sua aparência pobre, ele não era um mau cozinheiro, pois, como vim a saber mais tarde, ele havia servido seu mestre (PB) fielmente durante quase seis anos, e tinha viajado a muitas partes da Índia com ele. O segredo do seu sucesso era uma sopa gostosa, os melhores legumes ao curry, e cozinhava um arroz saboroso. Eu me perguntava como essas coisas deliciosas poderiam sair daquela cozinha medieval na parte de trás da casa. Se ele não estivesse atento por um único minuto, a comida crua ou cozida seria roubada pelos inúmeros macacos. Na verdade, uma vez eu vi seu mestre (PB) saindo rapidamente, como uma bala, para fora de seu escritório, em perseguição a um macaco que tinha acabado de roubar uma fita da máquina de escrever de sua mesa.
Um dia PB me disse abruptamente que tinha decidido mudar-se desta pequena cidade, que seu trabalho tinha chegado ao fim, e que tudo deveria ser embalado e todas as coisas locais organizadas, deveriam ser desfeitas e concluídas, no prazo de doze horas. Eu jamais poderia ter conseguido uma remoção tão rápida antes de estar a seu serviço, mas o treinamento em eficiência, concentração e iniciativa que eu absorvia de Brunton todos os dias me permitiu fazer isso naquele momento. Passamos uma semana na capital, Madras, e depois da chegada de um telegrama, fomos novamente para o interior do país. Tornamo-nos hóspedes de um príncipe dirigente de um estado indiano. Alguns oficiais do estado nos encontraram na estação de trem e nos conduziram em dois carros a motor, muito elegantes e que eram conduzidos rápida e suavemente, por motoristas vestidos com lindos uniformes para um fino bangalô equipado como um palácio. PB tornou-se, então, uma alma socialmente ocupada – jantares formais, chás com rajás e conferências privadas no palácio – eram atividades normais do dia. Da aldeia para a cidade, da casa para o palácio, do carro de boi para o carro sedan, de um pequeno espelho entre os dedos para espelhos de parede lindos, que mudança! Isso só pode ser imaginado. Surgiram casacos para os jantares, botas polidas, chapéus de feltro, bengalas, colarinhos brancos, etc., e logo PB ficou completamente transformado. Mesmo seu secretário conservador, que vestia calça e camisa simples, foi transformado e vestido com um par de calças chique e com colarinho e gravata. O zumbido do ventilador elétrico e o toque suave da campainha do telefone substituíram as condições primitivas de nossa antiga casa. Essa mudança repentina foi típica das muitas que nós fizemos nos anos seguintes. No começo eu ficava surpreso, mas depois me acostumei com a facilidade com que PB adaptava-se a todos os tipos de ambientes e pessoas. Passava do palácio à cabana ou vice-versa, com perfeita suavidade e total neutralidade. Ele não gostava das convenções formais, mas lhes eram apresentadas quando necessário. Detestava sessões públicas em sua honra e nunca assistia a elas, se pudesse as evitaria. Aparências externas não lhe incomodavam, nem confundiam o seu senso de valores espirituais. Ele nunca esqueceu ou se perdeu de si mesmo, não importando qual fosse o ambiente. Ele vivia no mundo quando o destino ou o dever o chamava, mas a ele não pertencia.
Minha tarefa de secretário preenchia todos os meus dias com um interesse que eu ainda não havia conhecido. Secretariado de fato! Era como se fosse doze vidas diferentes em uma só. Cuidava de toda correspondência internacional, de cinco continentes, em uma hora, supervisionava o cozinheiro e os empregados e, depois as compras no bazar, mantinha afastado os visitantes indesejados, mergulhava em meditação durante os intervalos, caminhava com Paul Brunton todas as noites, depois do jantar – cerca de duas milhas, pela cidade, aldeia ou selva – para seriamente discutir questões espirituais ou brincar sobre os acontecimentos diários.
Assim era minha vida – incomum e desconcertante – encontrando marajás num dia e trabalhadores pobres no outro. Eu, também, reparava nossas máquinas de escrever e canetas, inventava equipamentos de escritório a partir de materiais primitivos. Eu, até mesmo abria fechaduras sem o uso das chaves, como na ocasião em que as chaves desapareceram do grande baú de meu senhor, onde ele havia colocado todo seu dinheiro e manuscritos importantes, documentos, notas e papéis. Mas para sua surpresa, o que foi muito agradável, consegui abrir as fechaduras com sucesso, sem as lesar. Eu possuo uma série de habilidades sem igual! Fui levado até Paul Brunton, cru e em bruto, com pouco mais de trinta anos de idade, e ele me treinou e me modernizou, me fez despojar de meu antiquado pedaço de pano longo sem costuras que servia como roupa, dando a mim casacos, calças, gravatas, transformando assim, minha aparência externa, sendo que a mudança na minha vida interior foi igualmente profunda.
A digitação de suas notas literárias, as instruções que transmitia a seus alunos em suas cartas, os livros que ele me apresentava de vez em quando, bem como a orientação pessoal e os conselhos que ele me dava, tudo isso foi criando uma nova perspectiva em minha vida.
Geralmente, dedicávamos nossas manhãs à algum tipo de trabalho escrito. PB raramente ditava sua obra literária, pois preferia escrever o primeiro rascunho, sentado sozinho em seu escritório, ou naquelas horas do dia em que o sol estava menos quente, sentado no terraço da casa onde ele podia estar longe de tudo e de todo o mundo. Eu, então, datilografava esse rascunho, nitidamente, na máquina de escrever, e ele depois, no seu tempo, voltaria a reescrevê-lo, e eu voltaria a copiar o resultado final. PB mantinha sempre em sua escrivaninha uma figura em bronze do Buda entronado na flor de lótus, que havia sido uma lembrança do chefe Lama de Siam. Era um símbolo para ele do mestre de sabedoria esotérica, o sábio que representava a compaixão por todas as criaturas. Esse Buda de aparência solene e profunda calma, observava com interesse piedoso e talvez com alguma simpatia PB, que procurava de alguma maneira muito humilde imitá-lo. Mas, no caso de sua correspondência, apurar-se em por em dia, foi tão necessário que ele pediu minha ajuda para taquigrafar o que ele tinha a dizer aos leitores, estudantes e amigos com quem ele tentava manter-se em contato, mas sempre em vão, pois ele estava sempre com grandes atrasos.
Ele normalmente retirava-se para o conforto do seu quarto para atender a sua correspondência. Lá, em sua cama confortável, com sua manta colorida, uma grande quantidade dessa correspondência espalhava-se pelo seu colo e por toda a cama, ele sentava-se com sua camisa aberta e calça de algodão e ditava parágrafo por parágrafo as respostas às cartas. Sentava-me em uma cadeira, com um ar de profissional, com um turbante dobrado na cabeça e grandes sapatos marrons, que rangiam! Minha caneta-tinteiro azul rabiscava rapidamente sobre o meu caderno. Não devo esquecer a pequena bandeja de torradas e chá colocada ao lado de P.B. – o néctar marrom que ele bebia com bastante frequência, mas que era quase inofensivo, porque também era fraco.
Assim, os capítulos preliminares de um novo livro tomavam forma ou, como o metafísico diria, eram “manifestados com nome e forma”, enquanto as cartas eram escritas para os seus mais afortunados e numerosos correspondentes internacionais. A correspondência de uma semana foi enviada para todos os cantos do mundo. Após as tarefas matutinas terminarem, seguia-se o almoço e uma breve sesta, daí então a leitura de jornais, revistas ou livros, enquanto descansava na cama durante o calor feroz da tarde. Após isso, PB entrevistava visitantes, em seguida tomava chá formal com torradas, para logo, então, dar continuidade ao trabalho, geralmente tomando nota de suas pesquisas ou materiais literários. Suas entrevistas e os resultados de suas meditações também eram anotadas por ele. PB havia preenchido mais cadernos com anotações inéditas de suas descobertas, ideias, reflexões e intuições, do que a quantia de seus livros já publicados. Eu reunia essas anotações ímpares, dispunha-as sob títulos apropriados, e as datilografava adequadamente em seus cadernos de folhas soltas, encadernados em couro, prontos para referências futuras. Assim eram os religiosos, místicos, iogues e as tradições filosóficas do antigo Oriente trazidas à luz e examinadas em profundidade. Assim também, a sempre ativa inteligência de PB produzia seus frutos, suas intuições rápidas reluziam em suas palavras e suas profundas meditações direcionadas a uma incrível variedade de assuntos, direta ou indiretamente relacionados à vida espiritual da humanidade.
Após o jantar, geralmente íamos caminhar para fazer algum exercício. PB sempre levava sua bengala, enquanto eu sempre carregava uma lanterna de bolso para resguardar-nos de pisar em possíveis cobras ou escorpiões. Às vezes, íamos para a floresta, mas com mais frequência para as estradas solitárias na periferia da cidade. Nós dois éramos figuras pequenas, mas enquanto ele era magro, eu era robusto, e me orgulhava de ser capaz de agir como seu guarda-costas, caso fosse necessário.
Por último, após finalizar as atividades do dia e antes do jantar, a vida real e secreta deste homem era revelada. Ele saia na varanda superior aberta, sentava-se em um tapete e perdia-se em profunda meditação por quase uma hora. Meditar, calma e serenamente ao anoitecer e sob um céu oriental é algo melhor experimentado do que descrito. Seu secretário muitas vezes se juntava a ele, mas era como no provérbio antigo, quando um peru viu um pavão dançando e pensou que ele era igualmente belo e começou também a abrir suas penas. Ou então nos retirávamos, quando a necessidade de maior privacidade era grande, íamos para o quarto de PB e a porta era trancada por dentro. Ele então conectava no interruptor do extremo da sala uma cabeça de Buda de cristal verde, da China, contendo uma pequena lâmpada elétrica escondida dentro dela. A cabeça emanava uma luz esverdeada fosforescente e os olhos pareciam misteriosamente vivos. Toda a sala se iluminava com uma luz sobrenatural suave. Na serenidade e silêncio do ambiente, facilmente caíamos em meditação calma, profunda e concentrada.
Pergunto-me quantas pessoas percebiam quão absolutamente necessária era esta meditação para PB, quando ele tinha essa grande e constante pressão em sua mente, proveniente da intenção de incentivar, melhorar e iluminar tantos indivíduos, bem como o mundo em geral? Em algumas ocasiões, sob a influência magnética e telepática de PB, que eu costumava sentir fortemente, esquecia todas as minhas limitações pessoais e voava para alturas etéreas, deixando minhas amarras físicas no corpo e subindo para o vasto espaço, com um sentimento de unidade com todo o universo. Minha débil experiência era apenas um eco ou reflexo da experiência de PB, que rapidamente, “como num piscar de olhos”, entrava em um estado ainda mais profundo. Essas meditações que fazíamos juntos iluminavam todas as preocupações e misérias da vida, e traziam grande paz à minha mente, o que trouxe grandes benefícios ao meu desenvolvimento espiritual. E isto era cem vezes maior quando na presença direta e sob orientação de PB.
Devo tentar descrever da melhor maneira dentro da minha capacidade e poder de expressão e, tanto quanto me lembro, o que aconteceu em uma dessas noites. Não acrescentarei ou retirarei qualquer idéia ou pensamento. Descreverei aqui exatamente o que me aconteceu, pois se mantem totalmente nítido para mim; é inesquecível. Quando os últimos compromissos ou as pressões do trabalho tornavam impossível a meditação noturna, ela era adiada para a meia-noite. Naquela noite, a meia noite, fui ao terraço e sentei-me em um tapete no chão, do lado de PB. Então, comecei a meditar. Quando a parte preliminar da meditação acabou, assim como o abrandar da respiração e os pensamentos, eu muito lentamente virei a cabeça para a direita, na direção de PB, com a intenção de obter inspiração. Ele se encontrava como uma estátua de mármore, isto me inspirou e me deu forças para continuar com seriedade a análise do ego ou “eu-pensamento”.
Quando isso terminou, eu lentamente voltei à minha posição original. Em outras ocasiões eu costumava me sentir sonolento, devido ao adiantado da hora, mas nessa noite eu estava cheio de vida e energia. Com o pensamento concentrado e toda força absorvida, eu mentalmente perguntei: “Quem sou eu?” Então senti que eu não era o corpo. Eu disse a mim mesmo: “Se assim for, tentarei esquecer o corpo.” Uma espécie de tontura cresceu em mim e meu corpo parecia que tornava-se rígido. Lentamente comecei a não sentir nenhuma sensação provinda dele. Não podia mover meus membros. Eu estou dormindo? Pensei, “não”. Estava totalmente acordado. Somente minha cabeça e a minha mente pareciam estar presentes. Toda a parte abaixo do pescoço parecia derreter-se. Tentei abrir meus olhos. Não estava ciente de qualquer coisa na minha frente. O parapeito da varanda e a planta trepadeira não estavam lá. Eu não via nada, só o espaço. Minha mente estava voando alto. O que eu sou? Só esta questão permaneceu. Senti que eu era um mero pontinho flutuando no espaço, invisível a olho nu, não tendo qualquer peso, forma ou tamanho, uma mera idéia ou pensamento, um mero nada, mas ainda distintamente consciente; sem nome, sem corpo, nem nada que pertença a este mundo. Eu fiquei nesse estado por alguns minutos. Então lentamente fiquei consciente da respiração e voltei a ficar consciente do meu corpo. E aos poucos fui voltando a mim. Abri os olhos, sim, eu podia ver tudo claramente, lentamente, mas com um pouco de dor na cabeça. Então, virei-me e novamente vi PB. Ele ainda estava em uma posição fixa. Alguns segundos depois, movi meu corpo e depois levantei-me. Vi, então, que era meia noite e meia.
Logo depois, fomos dormir, mas não antes de que eu falasse a PB que havia tido uma ótima meditação. Uma vez na cama, quis voltar àquele estado. Eu queria ver de perto o que acontece quando alguém passa de desperto ao estado de sono, e estudar bem a transição que PB tinha descrito em seus diários sobre a importância deste momento. Fiquei acordado por algum tempo, mas logo depois eu devo ter dormido. Quando tornei-me consciente de mim mesmo, um tipo de força ou energia parecia fluir em todos os lugares e em todos os lados, enchendo todo o espaço e fazendo tudo perder sua solidez e forma. Todo o prédio, as paredes e pisos pareciam derreter-se como manteiga em fogo. Eu estava perdido naquele oceano de energia. Meu corpo também, parecia tornar-se maleável e flexível, pronto para derreter-se no nada. Eu tive medo. Quando senti que meu corpo pesado, tão sólido e real, com 130 libras de carne, sangue e ossos, estava desaparecendo no nada, você não poderia imaginar o horror que senti. Tinha vaga consciência de que PB estava dormindo em uma cama na sala adjacente. Eu o chamei pelo nome e não tive nenhuma resposta. Tentei levantar-me e o fiz com dificuldade, como se o chão sob meus pés fosse mole, e eu começava a afundar, assim como se afundasse na neve espessa. Eu o chamei novamente, mas sem nenhum resultado. Estava perdendo minha voz. Eu fui até o interruptor e acendi as luzes, mas toda a instalação elétrica parecia ter perdido sua solidez. Eu tateei a minha mesa e encontrei minha lamparina. Tentei acender, mas não consegui. Não havia luz, exceto um pequena luz como a luz das estrelas. O terror tornou-se cem vezes maior. Tinha chegado o juízo final ou tinha o mundo se dissolvido? Com um grande esforço, todo o esforço que eu poderia reunir, caminhei com dificuldade para onde PB estava dormindo. Todos os cinco sentidos estavam presentes, porém parcialmente. Chegando perto de sua cama, chamei seu nome em voz alta. Ele acordou, sentou-se e me disse algo. Eu não podia ouvir claramente, porque a audição, a visão e o sentimento dissipavam-se. Mas senti que ele me dizia: “Eu estou aqui. Não tenha medo.” Então eu perdi a consciência e lentamente a coisa toda desapareceu. Eu não sei como consegui voltar para a minha cama.
Quando acordei, era madrugada, eram 6 horas da manhã. Meu primeiro impulso foi o de ver meu corpo e perceber que ele não havia derretido. Passei minhas mãos sobre meu rosto e o peito. Eu era novamente eu. Levantei-me. Quando perguntei à PB, ele me disse que eu havia vindo a sua procura durante a noite, uns quarenta minutos depois de que ele havia se deitado, e que eu estava aterrorizado.
Tentei descobrir o que havia mudado, acrescido ou o que havia sido alterado em meus pensamentos devido a esta experiência. O primeiro e mais importante, a meu ver, foi perceber que havia passado por uma experiência mística real, que me mostrou através de um vislumbre, o Absoluto, revelando-me a grande verdade de que o mundo inteiro é apenas uma ideia. Eu havia lido uma coisa desse tipo nos cadernos de anotações de PB. Agora percebo o quanto isso foi uma experiência ímpar – o mundo é um estado mental e vazio. Na verdade, foi isto que PB explicou-me na manhã seguinte, depois desse acontecimento. Então, senti muito fortemente que isso havia ocorrido, em parte, devido a minha proximidade com ele.
Seus inimigos indianos descreveram-no em seus ataques públicos na imprensa, como um “jornalista em pose de iogue.” A verdade é que eu achei que ele era realmente um iogue em pose jornalística! Ele costumava sorrir com indulgência para estes ataques, ele pensava que rebaixaria sua dignidade se as respondesse. Eu, no entanto, nem sempre fui capaz de manter o silêncio sobre tais injustiças grosseiras e mal-entendidos.
Ele nunca alegou ser nada mais do que um estudante do misticismo filosófico. Mas muitos fatos mostraram quão humilde ele era ao descrever seus próprios poderes. Posso mencionar um pequeno fato ocorrido: um dia tive a ideia de apresentar a PB a cópia do livro de meu avô, o livro Vishnu Purana, traduzido por H. H. Wilson, uma edição rara, com cem anos de idade, um grande volume pesando vários quilos. Dois dias se passaram e eu não tive tempo para conversar com PB sobre meu desejo, porém quando mencionei a ele sobre isso, ele respondeu que nos últimos dois dias havia tido um grande desejo de adquirir esse mesmo livro. Mostrou-me seu diário de bolso e, para meu espanto, ali encontrava-se uma anotação, escrita por ele mesmo, dizendo: “Adquirir Vishnu Purana, traduzido por H. H. Wilson.” PB atribuiu esse acontecido ao fato de que ele havia se concentrado nessa ideia, que se irradiou, e encontrou a mente mais próxima que poderia estar em sintonia com a sua. Fiquei muito feliz com suas palavras, e imediatamente escrevi uma carta urgente para minha casa e, após isso, recebi o livro pelo correio, o qual foi presenteado a PB. Ele ficou igualmente feliz e o aceitou como um presente e prometeu mantê-lo por toda a vida.
Quero compartir um outro episódio. No sexto dia, depois que comecei a trabalhar para ele, de repente, PB previu que eu iria ficar com ele alguns anos e depois iria para um emprego em uma empresa pública, dando-me nome e local, e onde eu iria ocupar uma alta posição. O que ele predisse aconteceu, desenrolando-se em todos os mínimos detalhes. Se hoje sou o secretário confidencial e braço direito bem pago de um diretor geral de uma das maiores e pioneiras empresas industriais da Índia, com um futuro brilhante diante de mim, é justo dizer que se fui capaz de aceitar e continuar neste cargo de grande responsabilidade, isto deu-se somente por causa da confiança, coragem, disciplina, treinamento e desenvolvimento mental que o trabalho com PB sempre me proveu. E, se eu tenho mantido minha vida espiritual íntegra e intacta em meio a um ambiente tão ocupado e ativo, também é justo dizer que foi PB quem me mostrou como atingir e manter um equilíbrio tão difícil. Apesar do passar dos anos, os meus sentimentos de lealdade em relação a ele mantiveram-se inalterados. Ele, agora vive a uma grande distância de mim, mas não da minha mente e do meu coração.